Antonio Jorge Ferreira Melo
Quem, nos meios
jurídicos, ainda não ouviu a assertiva de que os juízes pensam que são deuses e
os desembargadores têm certeza? Pois bem, até pouco tempo, antes da
providencial criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tal afirmativa era,
de certa forma, a pura expressão da verdade, pois, os membros do Poder
Judiciário sempre foram onipotentes.
Nesta onipotência,
entre outras garantias, os magistrados só podiam ser fiscalizados e julgados
pelos próprios membros da instituição. E isto é compreensível, pois deuses não
precisam prestar contas a ninguém, pois, afinal, são deuses.
Nessa lógica, o CNJ,
criado para fazer o controle e garantir a transparência do trabalho dos
magistrados, recentemente teve sua competência contestada pela Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB), através de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade.
Alega a representação
sindical dos magistrados que apenas as corregedorias dos tribunais estaduais
deveriam estar à frente de casos de censura e de advertência e que punições,
como aposentadorias compulsórias, disponibilidade e remoção, deveriam ser
regulamentadas por uma lei e não por resolução do CNJ.
Sim, há muitos juízes e
desembargadores que se julgam deuses, mas, felizmente, discordando dessa velha
história de que há duas espécies de magistrados: os que pensam que são deuses e
os que têm certeza, há os que ainda têm dúvidas e os que sabem que são humanos
e, como tais, falíveis.
Dentre estes últimos,
está uma baiana, a ministra Eliana Calmon, que, em entrevista à Associação Paulista
de Jornais (APJ), criticando a posição da AMB, afirmou: “Acho que é o primeiro
caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos
problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”.
Sempre temos argumentos
para os dois lados de uma questão judicial. Mas, antes mesmo do mérito da
questão levantada pela AMB ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), as
declarações da ministra sobre “bandidos que estão escondidos atrás da toga”,
desencadearam uma crise sem precedentes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
onde, segundo o jornal “O Estado de São Paulo”, o recurso da AMB tem o endosso
velado de seus membros que são juízes de carreira.
“Data maxima venia”, as
declarações da ministra, ao contrário do que entenderam seus colegas do CNJ e
as lideranças da magistratura, não ofendem a honra dos juízes brasileiros, mas,
pelo contrário, expõem, com crueza e sinceridade, a existência de uma minoria
que compromete a autoridade de milhares de magistrados que diariamente se
dedicam ao ofício de julgar com imparcialidade e honestidade, mesmo com o
sacrifício da própria vida.
A afirmação da ministra
parece-me ser óbvia, mas, não raro, o óbvio é esquecido. Pois, não é lógico
pensar-se que, em um país onde a corrupção é endêmica, apenas o Poder
Judiciário fosse composto por profissionais íntegros, abnegados e imparciais,
verdadeiros bastiões da ética e da moralidade públicas.
Prefiro fazer eco às
palavras da ministra e aos comentários que milhões de brasileiros fazem pelas
ruas e praças deste país e, parodiando Voltaire, perguntar: por que, em um país
onde não falta o que chorar quanto ao lado físico moral das coisas, apenas com
relação à Senhora Justiça não haveria o que lamentar?
É falacioso objetar que
a fiscalização externa da ação dos magistrados importaria na perda de sua
independência de julgamento e do seu poder disciplinar interno, mas a atuação
do CNJ, criado que foi pela Emenda Constitucional nº 45 como uma resposta à
crise da Justiça, parece incomodar muita gente e não tenho dúvidas de que a
retirada das suas atuais prerrogativas promoverá um grande retrocesso
institucional.
Por fim: saudações a
quem tem coragem! Agradeço à ministra Eliana Calmon por ter ousado dizer ao
Estado brasileiro o que o Poder Judiciário precisava ouvir, pois como nos diz
Gabriel, O Pensador, nos versos da canção intitulada Nunca Serão: “A injustiça
é cega e a justiça enxerga bem, mas só quando convém”
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